(Por Juliana Gonçalves. Vermelho.org, San Pablo, sábado 29 de
octubre de 2016)- Ocupar e resistir é o lema que move os estudantes das 1.154
escolas ocupadas em todo o Brasil. Com o movimento, que ganhou o nome de
“Primavera Secundarista”, milhares de
alunos da rede pública de ensino assumiram o protagonismo na discussão
das mudanças que vão afetar o ensino público. Posicionaram-se contra a MP 746,
que visa reformular o Ensino Médio, puxaram para si o debate da PEC 241, que
implicará cortes na educação, e questionam o projeto da Escola Sem Partido.
Acampados nas escolas, entre
aulões e atividades culturais, os estudantes buscam espaço para que suas pautas
sejam ouvidas, ao mesmo tempo em que se veem em meio a polêmicas alimentadas
pelo governo e uma cobertura rasa dos acontecimentos.
“São os estudantes pelos
estudantes”, afirmou em discurso para os
deputado da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Ana Júlia Ribeiro, de 16 anos, aluna do
colégio Senador Manoel Alencar Guimarães, em Curitiba. Na Alep, a estudante
conseguiu dar voz ao movimento que, só no Paraná, conta com 845 escolas
estaduais ocupadas e cinco Institutos Federais. Seu discurso na tribuna recebeu
grande apoio nas redes sociais.
A gente sabe que a gente
precisa de uma reforma do ensino médio. Não só no ensino médio, como no sistema
educacional como um todo. Só que a gente precisa de uma reforma que tenha sido
debatida […] A medida provisória tem, sim, seus lados positivos, só que ela tem
muitas falhas. Se colocarmos ela em prática com essas falhas, a gente vai estar
fadado ao fracasso. O Brasil vai estar fadado ao fracasso.
Mesmo com o alto número de
ocupações, o movimento #OcupaParaná só virou notícia nacional após a morte do
estudante Lucas Eduardo Araujo Mota, 16 anos, segunda-feira, dia 24, nas
dependências do colégio Santa Felicidade, ao se envolver em uma briga com outro
aluno. A escola foi desocupada no dia seguinte e o caso passou a ser uma arma
do governo do Paraná para desmobilizar o movimento.
No entanto, resistindo à
pressão, em assembleia, nesta quarta-feira, dia 26, os paranaenses decidiram
que as ocupações vão continuar sendo feitas. “A unidade precisa ser nossa
ferramenta para barrar as medidas antipopulares de Michel Temer e convocando todo o Brasil a ocupar
ainda mais escolas”, diz a nota oficial publicada após a reunião.
Os estudantes também
resistem às ameaças do Ministério da Educação, que promete cancelar o Enem 2016
nas escolas ocupadas em todo o país e chegou a pedir a identificação dos alunos
que participam delas. A Advocacia Geral da União também estuda cobrar dos
estudantes fazem parte das ocupações o valor das provas que seriam aplicadas.
Assim como os paranaenses,
os alunos do Colégio Pedro II, de Realengo, no Rio de Janeiro e do Instituto
Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, que conversaram com o The Intercept
Brasil, afirmam que a responsabilidade do Enem é do MEC. “Foi decidido em
assembleia que nós não nos retiraremos para a realização do Enem. Deve partir
do MEC a decisão de realocar esses estudantes. Sabemos que aqui em Pelotas
existem diversas escolas com capacidade para comportar esse exame de nível
nacional”, afirmam os representantes do #OcupaIFSUL.
As entrevistas para esta
matéria feitas via mensagens privadas com alunos que participam dos movimentos
de ocupação, que pediram para não serem identificados para evitar represálias.
“Nós estamos abertos ao
diálogo, uma vez que consideramos importante que a comunidade externa não seja
prejudicada e a queremos ao nosso lado nessa luta. Vale ressaltar que o combate
à PEC 241 é uma luta de todos que utilizam a saúde e educação pública, já que essas áreas estarão sucateadas caso a
mesma seja aprovada”, dizem os estudantes do Pedro II.
O governo, porém, não parece
gostar da ideia do debate e segue com uma estratégia chantagista que conta com
o apoio da mídia.
Os jornais têm mostrado a
repercussão do cancelamento do Enem entre pais e candidatos e o transtorno
causado aos eleitores do segundo turno das eleições municipais que tiveram seus
locais de votação realocados pelo TRE. Também dão voz aos que são a favor da
desocupação dos colégios – que, segundo movimentos sociais, contam com a
articulação do Movimento Brasil Livre -MBL – em ataques às escolas ocupadas.
Apesar da pressão do
movimento estudantil, no entanto, o debate sobre a MP 746 ou a PEC 241 segue
fora da pauta.
Incrivelmente, o fenômeno
das ocupações de escolas e algumas universidades em vários estados não desperta
um interesse na grande imprensa que vá
além dos exemplos citados. As reais razões da Primavera Secundarista seguem
abafadas. “Sabemos que, apesar da falta de repercussão na mídia, estamos
lidando com algo grandioso de extrema importância para o momento da atual
política”, dizem os alunos do IFSUL.
Quando o movimento foi tema
do programa Estudio I, da Globo News, em 25 de outubro, os participantes do
debate se questionavam o porquê das ocupações, o porquê dos alunos não
simplesmente saírem às ruas em manifestações com cartazes coloridos fora do
horário de aula. Talvez se tivessem tentado ouvir os estudantes, saberiam a
resposta:
“Antes de ocuparmos, houve
várias outras medidas, como, por exemplo, manifestações e atos. Entretanto,
precisávamos de uma medida que fosse, de fato, chamar atenção do governo”, explicam
os alunos do Colégio Pedro II.
Sobre as tentativas de
deslegitimização do movimento, questionam: “A ocupação pode ser considerada uma
medida radical, mas qual outra medida a se tomar em relação, por exemplo, a um
congelamento de gastos por 20 anos?”
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